quarta-feira, 26 de junho de 2013

COMO VER O QUE ACONTECE, OU COM QUEM EU QUERIA VER



Netos cantam no aniversário de 80 anos do meu vô Luiz
Ontem, 25 de junho de 2013, meu avô Luiz Miranda faria aniversário (89 anos)! E, em tempos de revolta e tanta discussão política nas ruas, tenho me lembrado muito dele. Eu tenho me perguntado duas coisas básicas: o que ele acharia dessa mobilização social com cara de gigante acordado e jeito de moleque assustado?, e o que ele diria ao assistir os jornais?

Meu avô foi o homem mais politizado e coerente que conheci – seguido bem de pertinho pelo meu pai – e apesar de não concordar com todas as suas ideias, sou obrigada a concordar que elas tinham, todas, fundamento.  A capacidade de fundamentar e de estruturar o pensamento era uma das maiores qualidades do velho Luiz. E com ele aprendi que jornais mentem, que a TV nem sempre está certa e que conhecimento nunca é demais, desde que a gente saiba usá-lo. Sei que nisso costumo falhar com mais frequência do que eu gostaria.

Lembro com carinho da minha primeira viagem sozinha ao Piauí . Foi uma viagem que meu padrinho me levou e eu passei vários dias na casa dos meus avós. Sinceramente não lembro de tudo, até porque eu só tinha três anos, mas tenho uma lembrança especial do meu avô discutindo os jornais com o povo daquele fim de mundo que era Demerval Lobão há mais de 20 anos. Ali aprendi que tinham pessoas que assistiam e pessoas que viam televisão. No primeiro grupo, aqueles capazes de analisar criticamente o que viam e assim eram também capazes de apreender, considerar e por fim aceitar aquilo que lhes convinha. No segundo grupo, aqueles que recebiam a informação e apenas a armazenavam sem qualquer avaliação e portanto não eram capazes de separar joio de trigo.

Meu avô assistia, na sequência, quatro jornais – primeiro o nacional da Band, seguido pelo local do PI, o Nacional da Globo e  por fim o nacional do SBT. Nos intervalos se dividia entre responder as perguntas que minha vó fazia e atender os vizinhos com suas perguntas também. Ao final um apanhado geral e encerrava com uma frase que me marcou muito: de hoje posso tirar tal coisa como produtiva. Amanhã outro dia. Eu achava aquilo muito engraçado.

Depois dos jornais ele fechava portas, janelas (eram janelas grandes de madeira que cobriam quase a parede inteira), mandava minha vó me colocar pra dormir e dizia: “Deus lhe abençoe e lhe ensine a assistir o mundo passar na sua frente”. Eu não entendia nada, mas achava legal ele dizer. Mais divertido ainda era quando meus tios ou tias assistiam junto, eles discutiam como se estivessem numa plenária. Eu acho que todos os presidentes devem agradecer por não terem tido a necessidade de discutir algo com eles. E o Brasil deve lamentar!
 
Naquelas férias descobri que meu avô convencia pessoas e aprendi o que era um líder. Tenho certeza que se ele fosse vivo, e com toda aquela capacidade daquele tempo, seria capaz de me traduzir cada movimento do enorme tabuleiro de xadrez que estamos vendo. De um lado políticos vorazes e desesperados pelos votos que podem ser engolidos durante as manifestações e, do outro uma sociedade que ainda não escolheu direito seus direitos e nem exerce com presteza seus deveres. No meio, analistas tão perdidos como os moleques que querem ser gigantes.

Meu avô provavelmente diria: “de hoje posso tirar que agora as máscaras serão reveladas, na hora de fazer a vontade popular e isso já é positivo, mas amanhã é outro dia e o povo que nunca mais saia da rua.”

A benção vô e parabéns sempre!

Para completar a homenagem o poema que fiz no dia em que você partiu...

Adeus a um velho
(Homenagem ao meu avô Luiz Miranda)

Um velho pede passagem.
E devo a ele um sincero obrigado!
Um velho negro, belo e simples
Que se despede sem medo ou receio.
Diz que seu tempo aqui findou.
E na alegre certeza do acerto
Sorri levemente na despedida.

Deixa um aceno singelo,
Uma benção guardada,
Um carinho sincero,
A despedida esperada.

Um velho diz a que veio.
E na certeza  de ter feito o melhor
Diz que seu tempo acabou.
E parte para  chegar ao seu lugar
E encontrar o povo seu
O povo que um dia o deixou.

Um velho na idade,
Velho no tempo vivido,
Jovem no jeito da vida
Que sem medo viveu.

Um velho pede passagem.
E cercado do amor que um dia ensinou,
E que na verdade mais aprendeu,
Ele enfim diz adeus.
E se despede das dores e mágoas
Que lhe encheram o peito
E algumas vezes o copo,

E que deixaram no velho suas marcas,
Na cabeça branca,
No fígado grande,
No corpo doente,
Na mente que serenamente
E devagar se despediu antes do velho.

O tempo passou para o velho.
E vai passar também para os que ficaram,
E que irão, novamente, o velho encontrar.
E quando esse dia chegar
Dirão singelamente ao velho:

Obrigado velho!
Por ter nos deixado
Fazer parte da sua vida
Por ter nos ensinado a acreditar
A pensar, e a viver
Por ter nos permitido errar
E ensiná-lo a amar e morrer

Obrigado velho!
Por ter nos colocado no mundo
Por ter nos deixado entrar no seu
Por ter nos mostrado como ver
O mundo.

Obrigado velho!
Por nunca ter morrido
Por ter permanecido na nossa história
Mesmo depois de tudo
E principalmente por esse tudo.

Obrigada velho!
Por ser meu avô,
Pai da minha mãe
Avô do meu irmão
Genro do meu pai
Marido da minha avó!

Obrigada velho!
Por tão serenamente
Ter pedido passagem.


Mariana Miranda Tavares
17/07/2007